Apresentação: O texto abaixo trata de uma saída de campo com o objetivo de encontrar uma senhora filha de antigo trabalhador das pedreiras da região. No caminho até sua casa, conheço outra filha desses falecidos trabalhadores. Sendo ambas vizinhas e amigas, a pesquisa passa a problematizar a questão dos laços de trabalho e de vizinhança no local.
Fundo de origem: BIEV/NUPECS/LAS/PPGAS.
Fonte: Coleção do Projeto BIEV: a construção de um museu virtual da cidade
Autor: Stéphanie Ferreira Bexiga (Bolsa PIBIC/CNPq)
Local: Rua Bazílio Pellin Filho, Bairro Tristeza (Porto Alegre/RS)
Data: 02/05/2010
Tags: Tecendo a Observação Participante
Peguei uma carona até a parada (de ônibus) mais próxima da entrada do Sétimo Céu, e por ali comecei a caminhada; era cerca de 14h20. Continuei subindo a entrada desse reduto e, ao chegar na esquina do muro de cor salmão, vi que ele havia sido pintado e o pátio, “remexido”: sem a alta vegetação, restando apenas aquela grande árvore no meio, da qual Vitor há muito havia me falado.
Segui meu caminho: virei à esquerda na próxima rua [de paralelepípedos] e dali segui reto até a casa de Maria Alice. (...) Caminhei calmamente pela rua de “chão batido”, Bazílio Pellin Filho, e logo avistei uma senhora, de costas, segurando um bebê. Como uma tática utilizada em outra saída de campo na Tristeza, aproximei-me e cumprimentei-as, dando uma atenção maior à pequena Manuela; comecei a conversar com elas. E dona Loiva começou a me dar pistas das suas memórias: “Eu me criei aqui no morro”, perguntando-me logo depois se eu morava por ali: “Não, mas eu vim visitar uma pessoa que mora aqui, não sei se a senhora conhece,a Maria Alice?!”. Ela logo falou “ahh sim, uma morena? Ela mora ali (apontando com a mão), sim, conheço, o pai dela trabalhou com o meu na pedreira”.
Perguntei-lhe sobre a relação entre os vizinhos, já que ela havia me falado de Maria Alice, e Loiva me fala que além de seus pais, tinha o “Seu Ari”, que morava no lugar onde hoje é a estação do DMAE, “é, depois venderam pro Dmae, mas era o Seu Ari que morava ali, mas aí agora já foram embora”. Já ela e sua família... “de lá até aqui é tudo minha família. Ta vendo aquele guri lavando o carro? Aquele lá é meu sobrinho, ele ta fazendo faculdade também (a essa altura eu já havia lhe falado da pesquisa e do curso), Engenharia, até se tu quiser falar com ele também...eu posso te ajudar nessa tua pesquisa, é só tu me dizer...”
Pistas teóricas já relatavam a existência dessa “comunidade de trabalho” (Eckert, 1993), mesmo que, numa conversa com Maria Alice, ela havia reforçado que só sua família vivia ali; não sei muito bem o que ela quis dizer com isso, talvez estivesse se referindo a um certo territorio que fosse, primordialmente, de seu pai e família, pois, como vi, o beco 1, onde fica sua casa, parece ter uma certa divisão com a área a qual se referia dona Loiva: as casas de sua família tinham frente para a rua Bazílio Pellin Filho, enquanto as de Maria Alice e demais moradores do beco, faziam uma espécie de círculo, voltando suas portas para as ruelas do interior. Cheguei a perguntar para Loiva como se chamava aquela parte onde mora e ela me disse que até a estação do DMAE é Sétimo Céu; fronteiras simbólicas e geográficas que talvez estivessem reclamando sua descoberta.
Referências Bibliográficas: ECKERT, Cornelia. Memória e Identidade – Ritmos e Ressonâncias da Duração de uma Comunidade de Trabalho: Mineiros do carvão (La grand-Combe, França). Cadernos de Antropologia, n11. Porto Alegre, 1993.