sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Uma aventura no interior do Linha 2

Apresentação: No percurso em direção ao campo, a aprendiz de antropóloga vivencia a experiência de deslocamento em um local que lhe é estranho ao mesmo tempo em que se depara com vulnerabilidade existente no interior do transporte coletivo.
Fundo de Origem: BIEV/NUPECS/LAS/PPGAS
Fonte: Coleção do Projeto Cidade e Memória: a cultura do trânsito em Porto Alegre, RS.
Autor: Luciana Tubello Caldas (Bolsista de IC/CNPq)
Local: Alvorada/RS
Data: 23 de abril de 2009
Tags: Os Interiores da Escrita Etnográfica

Parecia que o ônibus não sabia andar em linha reta, mal ele dobrava a esquerda e já dobrava a direita. Enquanto eu olhava atentamente através da janela na expectativa de descobrir onde eu estava o cobrador me interpelou e perguntou: “Essa Santos Dumont é na Figueira, né?”. Respondi que sim, e após uma pausa eu perguntei: “E aqui? Onde é que é? É a Salomé?”. Rapidamente o cobrador me respondeu que não que ali era a Cedro. Nesse momento o ônibus já parava para alguns desembarques, o ônibus começará a esvaziar. Um lugar logo em frente ao cobrador (no lado da porta de embarque) havia vagado. Era um daqueles bancos mais elevados, onde a cabeça do passageiro ficava alinhada com a abertura da janela. Acenei para o cobrador dizendo que iria sentar ali. Fiquei sentada na parte do banco que dava para o corredor, pois o lado da janela estava ocupado por uma mulher negra que aparentava ter uns 40 anos. O relógio marcava 13h55min. Não sabia onde estava... O ônibus continuava dando muitas voltas... Balançava... Dava mais voltas... E balançava cada vez mais... Eu estava tensa... Muitos passageiros desembarcavam... Inclusive a senhora negra que estava ao meu lado. Levantei-me para dar espaço para ela sair. E ela seguiu em direção a porta dianteira para desembarcar. Voltei para o meu lugar no banco. Permaneci no lado do corredor. Queria ter uma perspectiva das duas janelas. O ônibus continuava dando muitas voltas e as casas que faziam parte da paisagem continuavam se alterando em seus estilos. A única mudança ocorrida eram os extensos descampados que se agregavam a paisagem urbana. As ruas se encontravam praticamente desabitadas. O ônibus passava por mais descampados, não percebi nenhum movimento de pessoas. Quando olhei para a janela vi um objeto que vinha voando em minha direção. Mesmo sem identificar direito o que era virei o rosto, mesmo assim esse movimento não foi o suficiente para evitar que a pedra (sim! Era uma pedra!), lançada contra o ônibus e que entrou pela janela, atingisse o meu rosto. Depois do choque, senti uma dormência na bochecha. Olhei ao meu redor... Ninguém havia percebido o ocorrido, pensei em olhar para trás e ver se o cobrador havia presenciado, mas achei melhor manter uma cara e postura de paisagem e não pagar mico. Levei minha mão ao rosto, estava dormente e dolorido. Olhei novamente pela janela e o descampado já não estava mais diante da minha visão. Pensei que assim como foi uma pedra, poderia ter sido um tiro. Fiquei imaginando quem havia jogado aquela pedra... Não tinha visto ninguém ali. Levei novamente a mão ao rosto, não estava mais dormente, mas estava com uma sensação de ardência na bochecha. Olhei para o banco e para o chão na expectativa de encontrar a pedra, mas era inútil, ela havia desaparecido.
Ainda meio dolorida e atordoada pelo ocorrido percebi que o cobrador estava do meu lado e dizia: “A Rua Santos Dumont é a próxima, pergunta pro motorista onde fica a parada que tu quer descer”. Agradeci ao cobrador e fui em direção ao motorista. Sentei num banco que era reservado aos idosos e que ficava bem atrás do motorista, me inclinei e pedi para que ele me avisasse quando chegasse na Rua Santos Dumont, na parada de ônibus em frente ao supermercado AMPA. O motorista, bem solícito, disse que sim, que avisaria e que estava perto. Ele fez alguns gestos com a mão me mostrando uma rua que estava a sua esquerda e falando alguma coisa. Mas não pude entender nada, o som do motor era ensurdecedor e a minha única reação diante da explicação do motorista foi fazer um “Ahã”, já que eu não ouvia nada. Olhei pelo retrovisor do motorista na expectativa de ver se meu rosto estava inchado, mas não pude perceber nada de diferente, a única coisa que era perceptível era a dor que eu estava sentindo. O motorista se inclinou para trás e disse: “é na próxima”. Rapidamente me dirigi para a porta de desembarque que estava praticamente em minha frente. O motorista dobrou uma rua à esquerda e logo em seguida parou. A porta de desembarque se abriu e ao mesmo tempo em que desembarcava eu também agradecia ao motorista.Em terra firme! Já estava mais tranqüila...

Um comentário:

  1. muito bom este fragmento, bem escrito! consegues nos colocar nessa cena, Luciana.

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