sexta-feira, 28 de maio de 2010

Duração e trabalho de campo

Apresentação: O presente trecho de diário de campo tenta mostrar uma pequeqna faceta do trabalho antropológico, pouco explorado: o retorno a campo após um longo período de escrita e afastamento. Além de pensar à luz de novas questões, o retorno também propicia o fortalecimento de laços e reflexões mais atentas a alguns temas antes pouco explorados.
Fundo de Origem: BIEV/NUPECS/LAS/PPGAS
Fonte: Coleção Futebol de várzea, Sociabilidade e Memória do Trabalho, ligada ao projeto “Estudos etnográficos em antropologia visual e sonora em sociedades complexas”
Autor: Rafael Lopo (mestrando, bolsista CNPQ)
Coordenadores: Ana Luiza Carvalho da Rocha e Cornelia Eckert
Local: Porto Alegre/RS
Data: 07 de junho de 2009
Local: Campo do Murialdo, bairro São José, Porto Alegre, RS
Tags: Tecendo a observação participante




Não demora muito, quem chega é seu João Carlos. Evidentemente abatido, ele se mostra contente com minha “visita”, e pergunta por onde andava durante esse tempo. Estou no meio dos dois, Joãozinho e João Carlos, portanto, não há uma pessoa que entre no campo e não cumprimente os dois, e conseqüentemente, a mim. Seu João Carlos me conta que ainda não conseguiu ver o DVD, e prometo uma cópia para o próximo Domingo. Durante nossa conversa, chega um senhor e lhe da uma edição do “A Voz do Amador”, um jornal que circula nos campos de várzea, acompanha os jogos de cada Liga da Prefeitura e ainda outras atividades esportivas amadoras. A reportagem de capa é sobre os 50 anos do Guarany, e a homenagem prestada por Záchia ao time, na câmara de vereadores:

“Olha isso seu João Carlos, tem um monte de mentira aí... olha a cara dos vagabundo nas fotos!!”

Seu João Carlos, em um tom irônico e sorridente, responde:

“Mas se não tem assunto, nem conteúdo, eles têm que inventar história mesmo”

Seu João Carlos me mostra o jornal, e a tristeza nos seus olhos ao ler aquelas linhas são visíveis, me lembrando muito de algumas partes da entrevista que gravei com ele. Depois que peguei para ler, percebi o porquê. A reportagem, além de falar sobre “eventos” beneficentes dos quais ninguém ouve falar, ainda ressalta a importância do Guarany no bairro, destacando alguns de seus fundadores, mas nada de seu João Carlos. Nas fotos, Getúlio, Perna, entre outros. A única coisa que não pôde ser inventada no jornal foram títulos, e isso seu João Carlos não abre mão de me falar. Neste momento, sinto que não seria um bom momento perguntar sobre o Martins de Lima, mas pergunto para ele se sabe onde anda Julinho. Seu Joãozinho me conta que seu filho levou a família em um velório de um antigo amigo, e seu João Carlos diz que viu o falecido pouco antes de morrer. Surge, então, a morte, a UTI, o desgaste biológico do tempo, e as imagens que combatem esta inevitável passagem do tempo. Problemas de saúde, seu Joãzinho e o problema de visão, seu João Carlos e o ouvido, entre tantos outros casos de amigos que passam pela mesma situação. Obviamente, isto também é motivo de piada, mas não agora. O fim parece longe de estar próximo...


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