quinta-feira, 7 de abril de 2011

Expondo a interioridade

Apresentação: Este trecho de diário de campo busca expor toda a interioridade sentida pela aprendiz de etnográfa ao realizar esta saída de campo.
Fundo de Origem: BIEV/NUPECS/LAS/PPGAS
Fonte: Coleção do Projeto Habitantes do Arroio
Autor: Renata Tomaz do Amaral Ribeiro – Discente Voluntária
Local: Rua Beco dos Marianos, Bairro Agronomia, Porto Alegre/RS.
Data: 2010
Tags: Os Interiores da Escrita Etnográfica

Parei em frente à associação de moradores, mas não havia ninguém por lá. Observei-a com calma, coisa que nunca havia feito antes. Estava deserta. Percebi que a sede era um grande galpão de madeira, com um campinho de futebol de chão batido e um antigo equipamento de elevar carros durante as manutenções, que anteriormente, assim como o galpão, pertencia à CEEE – Companhia Estadual de Energia Elétrica. Ainda em frente à associação na Rua Beco dos Marianos, me virei para trás e lembrei a bela paisagem que Luna e eu havíamos visto em outra oportunidade naquele local. Porque sou baixinha, tive que subir em uma pedra de barro lá existente.

Fiquei extasiada com a imensidão e com a beleza do que eu estava vendo. Apreciei por alguns minutos aquele momento de imponência e grandiosidade. Lá do alto tudo estava tão pequeno, era como se eu pudesse pegar Porto Alegre em minhas mãos. Foi uma experiência sentida com a alma. Era como se meus olhos estivessem desvendando um gigantesco quadro em aquarela. Um céu todo azul, pintado no fundo da tela e enormes prédios, vistos lá do alto, tão pequeninos que pareciam ter sido delineados pelas mãos de um artista. Extensas avenidas como a Av. Ipiranga e a Bento Gonçalves naquele momento cabiam inteiras no meu campo de visão. Do topo do morro, eu conseguia percorrê-las mais rápido que um automóvel, ou do que qualquer outra tecnologia, meu olhos chegavam ao centro da cidade em frações de segundos. Como se não bastasse o autor dessa aquarela foi bastante crítico, pois não se esqueceu de também esboçar na sua obra, “as margens da sociedade”.
Desci da pedra de barro e continuei meu trajeto. Enquanto caminhava em direção à avenida, comecei a ouvir uma batida, um som conhecido. Era da Banda Nirvana: “With the lights out it's less dangerous” vindo de uma casa de alvenaria, sem reboco e com as janelas abertas. Ao ouvir aquela música, logo me lembrei de quando eu era menina, pois adorava “Smells Like Teen Spirit”, o título da melodia que estava tocando naquele momento. Continuei meu trajeto e aos poucos aquele som foi diminuido até desaparecer ao confundir-se com o barulho dos automóveis que passavam pela Av. Bento Gonçalves, um pouco mais adiante.
Rapidamente eu já estava no pé do morro, a caminho da faculdade de Agronomia. Como diz aquele ditado: “para descer todo santo ajuda”. Chegando ao destino, fui em direção ao portão que cerca o arroio. Observei-o: a mata ciliar era mais evidente e o cheiro de esgoto, bastante forte. O ambiente na faculdade estava calmo e por isso foi possível também ouvir a água do arroio correndo lentamente. Mas não me demorei muito e fui-me embora, porque ainda deveria ir ao Instituto. Em direção à parada do ônibus ia pensando: “os primeiros estudantes da Faculdade de Agronomia devem ter aproveitado as águas do arroio, nos dias quentes de verão para se refrescarem”.

Indicação de textos que de alguma forma perpassam a questão da interioridade:

• A Poética do Espaço de Gaston Bachelard;
• A interioridade da experiência temporal do antropólogo
como condição da produção etnográfica de Ana Luiza Carvalho da Rocha e Cornelia Eckert;
• Antropologia das formas sensíveis: entre o visível e o invisível, a floração de símbolos de Ana Luiza Carvalho da Rocha.

Um comentário:

  1. Renata, muito interessante sua experiência transcendente em campo... estavas em campo, séria, determinada, entretanto se entregava para as imagens do que via, ouvia, sentia... sem que essas sensações fossem opostas aos seus interesses de pesquisa. Até mesmo considerando essas como parte do processo de compreensão da etnografia de rua... Vejo que estas fazendo boas apreensões dos textos lidos, continue assim! Bjus

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