domingo, 5 de julho de 2009

"As várias Ramiros Barcelos"

Apresentação: A partir de um trecho de diário de campo relatando uma saída de etnografia de rua na cidade de Porto Alegre, podemos pensar a partir de uma única rua, transformações urbanas em uma cidade que se moderniza, mas que deixa pistas de outros momentos, mostrando uma diversidade das formas sociais que habitam um mesmo lugar.
Fundo de Origem: BIEV/NUPECS/LAS/PPGAS
Fonte: Coleção do Projeto: Estética urbana e patrimônio etnológico na era das textualidades eletrônicas (ALCR)
Autor: Ana Paula Parodi Eberhardt – Bolsista IC/CNPq
Local: Porto Alegre
Data de Produção:
16/04/08
Tags: "Os Passos Perdidos da Etnografia"

“Ando sempre pela Avenida Ramiro Barcelos, mas atravessando a Osvaldo Aranha esta rua se torna desconhecida para mim. Isso não deve ser exclusividade minha, pois a Ramiro é uma rua muito extensa, sendo que parte dela fica no bairro Rio Branco, outra no Independência e a outra no bairro Floresta. Depois da Osvaldo esta rua se torna cheia de árvores antigas, com seus galhos pendendo, fazendo quase um túnel verde sobre a rua, que fica mais escura, pois são poucos os raios de sol que entram nesta parte.
Há prédios enormes, espelhados e muito luxuosos, as pessoas que passam ali também levam consigo sinais de um poder monetário elevado, conforme via esta paisagem comecei a subir uma lomba que parecia cada vez mais interminável, mesmo estando relativamente frio tive que tirar os casacos, pois era uma imposição do terreno, não dava para se passar neste trajeto sem sentir esta modificação do sentido: calor e resistência do corpo à caminhada, e um cheiro de umidade vindo das sombras das árvores.
Havia algumas construções mais antigas, mas não sei precisar o ano, nem a década, mas o que reparei é que estas construções mais antigas não serviam mais como moradias, mas sim davam espaço para empreendimentos, como galerias, lojas e escritórios.
Quase no alto da lomba vi algo que me despertou uma curiosidade, em meio a todos os prédios comerciais havia um sobrado branco, com mostras de estar bem velho, com uma placa escrito “oficina dos pés”, num tempo onde todas as antigas denominações populares são trocadas por uma terminologia mais técnica ou mais “moderna” aqueles “pés” pareciam destoar do ambiente grandioso daquelas empresas. Quando parei de subir e comecei a descer percebi que voltar por aquele caminho seria bem penoso: a lomba que eu ia começar a descer era muito íngreme, e se olhasse os carros descendo parecia que eles sumiam num precipício e depois surgiam bem mais adiante.

Os carros passavam numa velocidade mais alta do que a lomba recomendava. Descendo um pouco mais e olhando em frente a paisagem que se via era os telhados dos prédios e o pedaço de algumas ilhas da região metropolitana de Porto Alegre. Continuei descendo a rua e vi alguns prédios sendo demolidos, ou melhor, já estavam demolidos, mas havia pessoas no meio destes escombros fazendo uma espécie de “limpeza” no entulho, pensei nos edifícios grandes e nas poucas casinhas mais antigas que talvez logo iriam desaparecer. Nessa altura a Ramiro já havia se modificado muito, os prédio gigantes ainda não tinham se espalhado até ali, os prédios de agora tinha sinais do tempo, quase sem cores, com rachaduras e infiltrações, o cenário como um todo era muito mais pobre havia meninos de rua “guardando” carros e mais alguns no sinal e até os carros que estavam estacionados por ali também eram mais modestos.

Havia um prédio muito grande que não tinha número e nenhuma
porta, as janelas ficavam muito altas, toda a construção estava com rachaduras, a maioria provocadas por uma vegetação que “rompia o concreto e nascia”, curiosamente a vegetação brotava bem verdinha de várias partes do prédio e na calçada, bem em frente ao prédio (em um quadradinho com terra) havia os restos de uma árvore morta que estava caída ao lado deste
quadradinho, a imagem desta árvore morta junto com aquela paisagem era muito triste.”

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