sábado, 19 de setembro de 2009

Reaproximar-se das Famílias

Apresentação: No percurso em direção ao campo, Anelise reflete sobre a condição de uma pesquisadora - ela mesma - que trabalha com o tema da "família" mas que se vê afastada tanto da sua, como daquela de sua informante. E é na tentativa de reverter essa situação, retomando o contato com essa outra "família", que ela se depara com as exigências da "vida familiar".
Fundo de Origem: BIEV/NUPECS/LAS/PPGAS
Fonte: Antropologia das crises na vida cotidiana da metrópole de Porto Alegre, RS - CNPq (CE)
Autor: Anelise Gutterres - Mestranda em Antropologia Social (UFRGS)
Local: Bairro Centro - Porto Alegre/RS
Data de Produção: 15/08/2008
Tags: Os Interiores da Escrita Etnográfica



Segunda-feira torci para que o dia passasse rápido, coisa que não aconteceu exatamente. Lá pelo fim da manhã, me dou conta que não tinha planejado nenhum tipo de gravação. Chovia sem parar, meu guarda-chuva virou para cima durante todo o percurso entre os campi da UFRGS. Percursos que fui obrigada a fazer carregada de livros e com os pés molhados. Tava me sentido péssima, cansada, enjoada e nesse ritmo a noite foi chegando sem esperar pelo meu descanso. Saí da aula, peguei uma pequena câmera Sony na casa do meu irmão caso me requisitassem uma foto comemorativa, coisa que não aconteceu. Todo essa ansiedade e esse mal estar, sentada aqui me parece evidente, tinha uma razão bem clara. Eu estava muito afastada dessa família. E família é família, provava-me a insistência minuciosa da minha mãe, na última sexta-feira, em divulgar-me as datas de aniversário e ordens festivas, função que ela começou a ocupar de uns anos para cá, na tentativa de que eu visse «a família» com mais regularidade. O convívio familiar percebi ao pensar sobre a definição dessa «vida familiar» - que inclui as relações entre netos, filhos, mães, pais, tios - têm uma escala microscópica e dicotômica: ao mesmo tempo que não perdoa grandes afastamentos, têm o maior prazer em lhe colocar a par das «novidades» a medida que você diz que se lembra de alguma ocasião familiar, de alguém ou do que foi dito nela e pede para ser re-atualizado. Essa noite na casa de Ainsley foi uma noite para que eu pudesse pensar nesses afastamentos e aproximações. E nessa relação do meu trabalho com o cotidiano dessa família.
Entrei numa loja de 1,99 atrás de um conjunto de velas bonito, que não saísse mais do que dez reais, que era o que eu tinha para o presente. Escolhi, peguei junto uma embalagem e coloquei as velas dentro. Precisei esperar o pessoal do caixa terminar a conversa para que eu pudesse pagar e sumir rapidamente daquela loja com luz «fria» e trilha sonora da jovem pan. Subi a Rua Dr. Flores, cruzei uma Avenida Salgado filho insuportável, em sua mistura de garoa, fim de tarde abafado, buzina, congestionamento e gás carbônico grudando no rosto com o suor dos blusões de lã deslocados e os casacos carregados no braço. Cheguei até a parada embaixo do viaduto da Avenida Duque de Caxias e aguardei pelo ônibus Serraria por uns quinze minutos. A hora era a hora: do deslocamento. Todos estavam indo ou para casa, ou para o trabalho, ou para a faculdade, ou para o curso, ou para academia, ou para o bar. Os ônibus faziam fila, fazendo o vivente ter que correr atrás das portas abertas bem adiante do ponto da parada. Jovens apressados, vendedores de flores, de balas, pedintes; o céu ficando escuro, a chuva mais forte e o clima térmico mais indeciso ainda do que antes. Subi no ônibus torcendo por um lugar, pois tinha algumas coisas para ler «na viagem», alternativa que abdiquei logo em seguida, através de um sorriso de negação a mim mesma. Pus-me a assumir aquele estado de campo, na busca daquele olhar que a cidade precisava que eu tivesse já que eu estava pesquisando ela, nela. Um olhar de alguém que não estava indo visitar uma amiga, passear na zona sul ou jogar papo fora numa comemoração de aniversário. Nesse momento, juntei todas as expectativas e transformei em vigilâncias, reuni todas as imagens mentais do passado e do futuro e as pus a postos a fim de serem articuladas, acionadas pelas situações que viveria dali para frente.

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