sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Itinerários do futebol de Várzea: O Parque Ramiro Souto e o time do Flamenguinho


Apresentação: Eis aqui uma parte a mais do percurso percorrido por mim dentro da etnografia sobre alguns times de futebol de várzea da cidade de Porto Alegre. Chegar ao campo do Ramiro Souto, dentro de um grande parque da cidade, a Redenção (Também conhecido como parque Farroupilha), foi importante para pensar nesta circulação de gestos, posturas e palavras que não ocorre somente em lugares periféricos da cidade através do futebol de várzea.
Fundo de Origem:
Acervo do BIEV - BIEV/NUPECS/LAS/PPGAS
Fonte: Coleção Rafael Lopo
Autor: Rafael Lopo, bolsista de IC.
Local: Parque Ramiro Souto
Data de produção: 02/07/2006
Tags: Os Passos Perdidos da Etnografia

Chego na Redenção, no conhecido campo do parque Ramiro Souto. Ali nem todos estão em função dos jogos. Próximo ao campo, há mais de duas quadras, destinadas à prática de diversos esportes. A Redenção é um dos parques mais freqüentados na cidade aos Domingos, e isto já representa uma diferença significativa em relação ao Darcy Azambuja, onde a maioria que vai Domingo pela manhã tem como principal objetivo observar e participar do jogo.

Quando caminho em direção ao palanque onde ficam a maioria dos expectadores dos jogos, passo por essas duas quadras, o barulho vai ficando mais intenso, mas o som parece ser diferente. Os gritos e barulhos não são somente dirigidos aos jogadores da várzea, e os sons dos palpites e reclamações do jogo se misturam com as das quadras de esporte. Perto do palanque, ah ainda uma quadra de cimento onde crianças jogam bola, e ao lado desta, uma quadra de areia onde jovens e adultos jogam vôlei.
Resolvo ficar mais próximo da grade para acompanhar o jogo, e fico olhando para os lados para ver se o “dirigente” do Flamenguinho está por perto. O jogo tem outro ritmo. O campeonato disputado Domingo a tarde na Redenção segue a mesma regra da Intercap, e participa do mesmo “circuito” da prefeitura, onde os dois primeiros de cada praça disputam o municipal, mas a categoria é diferente. A categoria em disputa ali é a livre, onde não há limite mínimo nem máximo e idade. Obviamente, os times mesclam jogadores jovens com experientes, onde cada um tem seu valor e sua função no time. Normalmente os mais jovens jogam na frente, onde a intensidade e a necessidade de deslocamento é mais intensa. Normalmente no meio-campo e na defesa jogam jogadores experientes e nem tão jovens, que já conheçam os “atalhos” do campo, que “sabem bater” quando é preciso. O jogo que assisto na Redenção é mais disputado, os jogadores dos dois times não economizam nos palavrões e jogadas ríspidas. Porém, os sons parecem ser muito semelhantes. A sonoridade da bola e das chuteiras rolando na areia é incomparável e inconfundível. Parece que todos os campo “carecas” de Porto Alegre produzem o mesmo som. É um som que dura, que não para, e junta diferentes pedaços para criar uma sinfonia só. Misturam-se sempre à este som os gritos dos jogadores e as batidas na bola, que fazem parte do cenário único. (DIARIO DE CAMPO DIA 02/07/2006)


A marcação dos limites da várzea que fora determinada pelo ato concessório de Paulo José da Silva Gama em 1807, deve ter sido feita dentro do primeiro quarto do século XIX. Nesta época atuava como engenheiro provincial José Pedro César que, entre outros trabalhos, executava a planta da cidade, recebida pela Câmara em 14 de setembro de 1825(...)
(...) O fato é que o uso seguinte da grande várzea foi mesmo para exercícios militares. Talvez houvessem trechos menos alagadiços ou, ao menos, durante a maior parte do ano o banhado não prejudicasse tanto aquelas funções. Mas o nome da área não se ligou àquela atividade. A presença da Igreja de nosso Senhor do Bom Fim, no alinhamento nordeste e as festas religiosas que ali se realizavam emprestou à área o nome de campos do Bom Fim que só foi modificado em 1884.
Mas antes desta mudança, ainda com o nome de Campos do Bom Fim, a grande várzea vai receber, em um trecho do seu alinhamento sul, a maior construção da época para servir de quartel aos corpos estacionados nesta capital.(...)
(...) Era a época da luta abolicionista. Recentemente os negros haviam participado na Guerra do Paraguai, primeiro choque de prova do novíssimo exército brasileiro. Em 1871 fora aprovada a Lei do Ventre Livre, declarando não escravos os negros que nascessem daquela data em diante.(...)
(...) Em 16 de agosto de 1884, Júlio de Castilhos escrevia: “Ao cabo de poucos dias de ativo trabalho, o pobo, em uma brilhante manifestação de regozijo, pôde proclamar ontem a liberdade de mais da metade dos escravos existentes na cidade.(...)
(...) No dia 9 do mês seguinte, homenageando a libertação dos escravos, a Câmara de Porto Alegre propõe a mudança de denominação de Campos do Bom Fim para Campos da Redenção.(...) (MACEDO, 1973*)

*MACEDO, Francisco Riopardense de, O Campo da Redenção: História do Parque Farroupilha in Porto Alegre: História e Vida da cidade. Porto Alegre, UFRGS, 1973)

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