terça-feira, 8 de setembro de 2009

Entre as derrotas e as vitórias do futebol de várzea

Apresentação: A partir de um trecho de diário de campo relatando uma experiência do etnográfico no futebol de várzea da cidade de Porto Alegre, podemos pensar como as rupturas marcantes para o trabalho e a pesquisa podem aparecer também em escritas que não são utilizadas ou “aproveitadas” no espaço de produção mais acadêmico da Antropologia. Existe na escrita um espaço de deslocamento e rupturas entre os vários momentos da experiência etnográfica
Fundo de origem: BIEV/NUPECS/LAS/PPGAS
Fonte: Coleção do Projeto Criação do site do BIEV - CNPq/FAPERGS (ALCR)
Autor: Rafael Martins Lopo – Bolsista PIBIC/CNPq
Local: Porto Alegre/RS
Data de produção: 21/07/2007
Tags: Os Interiores da Escrita Etnográfica


O segundo tempo é insuportável, "teste pra cardíaco" e Julinho não para de pular e gritar, urrar, comemorando a possível vitória. O empate também dá o título ao Martins, mas se fosse pra escolher, o melhor resultado seria uma vitória de 5 a 0. O Guarany não assusta, não faz nada, está cada vez mais nervoso e reclamando do juiz, enquanto Nenê e Zurra não param de perder gol na frente. Milhões de vezes tive que conter o pulo e o grito, bola na trave, pra fora, defesa do goleiro, etc..
Enfim, depois de muita tensão, o jogo acaba, e mesmo com muita chuva, o campo é invadido por todos que estavam torcendo pelo Martins de Lima. EU estou no meio do bolo, cumprimento alguns, abraço outros, mas parecem todos estar compartilhando da mesma felicidade. Procuro, sem cessar, seu João Carlos. A todos os momentos em que algo acontecia no jogo, pensava em sua entrevista, suas lágrimas diante da câmera falando de todo seu investimento na várzea. Recompensado agora, vejo ele abraçando Pingo e chorando, gritando, pra todo mundo ouvir:
"Eu sou multi-campeão do Murialdo, vocês merecem, vocês me deram uma das maiores alegrias da minha vida"
Realmente comovente, depois de tanto tempo, mesmo com toda a vida, uma bagagem de histórias imensa, ele chora ao lembrar, ao trazer para o presente uma vida inteira de dedicação à várzea, e que insiste em não lhe abandonar.
Na entrega dos troféus, estou completamente molhado, assim como muitos. Quando a taça é levantada, há um princípio de briga entre as torcedoras do Guarany(a família gritona de Gilson), e algumas do Martins. Alguns separam, evitam, afinal, homem que é homem sabe perder, e sua honra depende disso. Será? Fiquei um pouco tenso na hora de ir embora, mas vejo que todos se respeitam, não importa o que tenha acontecido no passado.
A taça, e as medalhas devidamente distribuídas vão para a sede, com os heróis da conquista. Muita gente vai junto, a sede está lotada, e o fogo já está sendo aprontado. Cumprimento quem ainda não tive a oportunidade e o pagode começa a se formar. Obvio, mesmo fugindo dos mitos, não há como negar, que nada combina mais com várzea do que churrasco e pagode. Em todas as biografias lidas, não há uma que não cite estas formas de sociabilidade como fundamentais para a várzea.
Converso com alguns, e quando estou mais afastado, seu João Carlos vem falar comigo. Ainda um pouco emocionado, ele exclama:
"Rafa, esse aqui que tu presenciou hoje é o primeiro de muitos. Estes homens que estão aqui são os verdadeiros campeões, que não jogam só pela amizade, mas pelo clube. Além do que, muitos do que estão aqui são bi-campeões, pois foram campeões ano passado" Interessante, não tinha pensado nisso. É mais um pequeno capítulo nesta inconstante vida da várzea. Muitos vão contar esta história para os outros, falar que foram bi-campeões, em times iguais, mas ao mesmo tempo tão diferentes.
Pouco tempo depois, quando o churrasco está quase pronto, Julinho se aproxima de mim, e tirando uma medalha do bolso, me fala:
"Toma Rafa, essa é tua, de um pessoal que gosta muito de ti"
Prontamente, coloco-a no peito, e fico cada vez mais fascinado com a capacidade de entrar neste clube que a etnografia tem me proporcionado. Não há mais como eu me sentir mais inserido no clube do que ganhar uma medalha de campeão. Depois deste episódio, outro jogador vem me perguntar porque não tinha levado a câmera. Ao mesmo tempo que fico feliz em saber de minha adoção pelo Martins, penso mais uma vez na minha postura enquanto pesquisador.

Um comentário:

  1. colegas, parabéns pelo blogue! Gostaria de pedir o contato - email/telefone - do Rafael Lopo. Isso pois sou professor de Filosofia do Colégio de Aplicação e estou desenvolvendo um trabalho de pesquisa com o 3o ano do Ensino Médio sobre futebol. muito obrigado, leonardo (jleonardo_ruivo@yahoo.com.br)

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